Quem duvida de que ler ou contar um conto a uma criança é uma das ferramentas mais poderosas para captar as sua atenção? Mesmo em plena era audiovisual, uma história bem narrada na oralidade mantém a sua capacidade de despertar interesse ou gerar algum tipo de emoção nos mais pequenos.
O mundo da educação não está alheio a isso. Apesar de, nas aulas, conviverem e reinarem o “velho” texto e o “novo” vídeo, o áudio digital emerge com força e os centros educativos, os docentes e os alunos podem beneficiar disso.
O crescimento exponencial dos dispositivos móveis, a conectividade e a convicção de que a aprendizagem é um processo que acompanha permanentemente os mais novos e pode surgir em qualquer lugar e momento são fatores que favorecem a eclosão dos formatos de áudio digital.
Pelo menos, é isso que constatamos se prestarmos atenção aos numerosos indícios que nos chegam relativamente ao consumo de conteúdos “embalados” em formatos de áudio digital, dois desses formatos em particular: o podcast e o audiolivro.
Segundo o estudo Evolución del Libro Electrónico en América Latina y España, editado pela consultora Dosdoce , os audiolivros tornar-se-ão o formato digital de maior crescimento em 2017. “Atualmente, a oferta de audiolivros em espanhol ultrapassa os 3000 títulos, aproximadamente, em contraste com os mil de há poucos anos”, confirma o estudo que analisa a indústria editorial.
Dos Estados Unidos, chegam-nos dados sobre a solidez do formato podcast, cuja penetração e consumo cresce de forma constante. No estudo Estado dos Meios de Comunicação de 2016, publicado pelo Pew Research Center (pewresearch.org) destaca-se que 40% da população dos Estados Unidos ouviu pelo menos um podcast no último ano.
E então, como se justifica que, no contexto educativo, continuem a dominar de forma conjunta o texto e o vídeo? O que se passa com o áudio digital enquanto veículo para transmitir ou adjuvar a aprendizagem?
“O som determina a forma como aprendemos”
Ficamos perante um paradoxo quando estudamos, por um lado, o uso atual do podcast ou do audiolivro nos centros educativos e, por outro lado, o que dizem os especialistas sobre a importância do áudio digital para a aprendizagem.

Juan Carlos de Miguel
Juan Carlos de Miguel, professor de Música do ensino secundário, antigo diretor de um IES, atualmente assessor de TIC no CFIE de Segóvia e especialista na utilização do áudio digital em diferentes formatos nos centros educativos, partilhou connosco a sua reflexão acerca deste assunto: “Recentemente, li um estudo que defendia que as crianças que têm quem lhes conte habitualmente uma história, antes de dormir, por exemplo, quando ainda não conhecem as letras, tornam-se leitores assíduos e competentes para toda a vida depois de aprenderem a ler. O que nos diz isto? Para mim, é muito claro; somos leitores mesmo antes de aprendermos a ler, porque ler não é só ler palavras com os olhos, também se lê com os ouvidos.”
“Se analisarmos uma aula tradicional ou uma masterclass, veremos que há um emissor, que é o docente, um recetor, que é o aluno, e um canal, que é o som. A primeira vaga de conhecimento vai da boca para o ouvido. Logo depois, vem o estudo, a leitura do livro ou os apontamentos, mas, primeiro, vem sempre a escuta ativa”, assegura De Miguel.
São numerosas as investigações que apostam no valor que pode oferecer a utilização do podcast e dos audiolivros nos centros educativos. Uma delas é encabeçada por Emma Rodero, investigadora do Departamento de Comunicação da Universidade Pompeu i Fabra. Para ela, “escutar, ao contrário de ler um papel escrito, despoleta uma maior atividade, uma vez que o cérebro tem de processar a informação ao ritmo a que lhe é transmitida”. “O áudio é um dos meios mais íntimos porque a pessoa está a construir as suas próprias imagens da história na sua mente e cria a sua própria produção, algo que não acontece nos meios audiovisuais”, afirma Rodero.
Outra abordagem interessante é a da bióloga Nina Kraus, investigadora da Northwestern School of Communication (Estados Unidos). “O som é invisível, mas tem uma força tremendamente poderosa”, afirma Kraus, que vai mais longe e assegura que, “para o bem ou para o mal, modela os nossos cérebros e a forma como aprendemos”.
Por último, não se pode esquecer o caráter emocional que a voz e a narração imprimem no conteúdo em áudio. Segundo Monica Brady-Myerov, criadora de conteúdos para a plataforma de podcasts Listenwise , “ouvir pessoas reais a contar as suas próprias experiências desencadeia reações emocionais em quem as escuta”. E, como todos sabemos, a emoção está no cerne da aprendizagem. “De facto” – continua Brady-Myerov -, “os textos dos audiolivros que foram criados para ser lidos soam melhor neste formato.”
Apostamos no áudio digital?
Então, porque há tão poucos conteúdos de áudio digital? Porque é que a indústria editorial não está a apostar, neste momento, neste formato?
O meio norte-americano The Atlantic publicava há uns meses uma interessante análise sobre estas reflexões. O seu título era “Onde Estão os Kidcasts?” e a sua reflexão era a seguinte: “Se os alunos aprendem graças aos podcasts, porque não há adultos a criá-los?”
A reflexão é pertinente, já que apostar no áudio digital ajudaria a mitigar alguns dos principais problemas de que sofrem os mais jovens hoje em dia na hora de aprender. Passariam menos tempo à frente de um ecrã, os seus olhos descansariam, desenvolveriam mais as suas capacidades críticas e criativas, etc..
Juan Carlos de Miguel deteta alguns dos problemas que podem ser obstáculos ao uso do áudio digital nas aulas: “Nas turmas atuais, seja qual for o nível educativo, há um problema que faz com que a mensagem original não chegue em toda a sua dimensão ou não chegue a todos da mesma forma, o ruído. Não sei como era noutros tempos, mas as turmas do século XXI são barulhentas, muito barulhentas.” No entanto, para este especialista, “não há crise porque, mais uma vez, a tecnologia vai em socorro do docente inovador do século XXI com o áudio digital. O professor grava as suas aulas num ficheiro de áudio, coloca-o num servidor de podcast como o iVoox e partilha ao link com os seus alunos. O aluno ouve a aula uma, duas, as vezes que forem precisas para assimilar o conteúdo, ouve-a à hora que lhe for mais conveniente, ouve-a no metro, no ginásio, a caminho da escola ou no quarto, pode tirar apontamentos, pode parar, rebobinar e voltar a escutar um trecho que não esteja a compreender.”
Neste sentido, a investigação de Nina Kraus oferece uma série de recomendações para criar espaços de aprendizagem em que o áudio ou o som seja um veículo bem-sucedido e poderoso para gerar aprendizagem. De entre estas diretrizes, destaca-se a utilização do podcast e/ou dos audiolivros como materiais fundamentais. “Uma história bem contada pode ajudar a desenvolver as competências de atenção e trabalhar a memória dos estudantes.” Ah, e entre as suas recomendações também se inclui diminuir o barulho nos centros educativos, como reclama Juan Carlos de Miguel.
Mas sejamos otimistas e exploremos o que já se está a fazer e com sucesso em centros e instituições. Para tal, vamos deter-nos em duas experiências concretas que utilizam o podcast em contextos escolares e educativos.
A primeira é protagonizada pelos alunos do Colégio Santo Domingo de Algete, em Madrid. Este centro aproveita desde há uns anos o potencial que oferecem a comunicação e a tecnologia para desenvolver o seu projeto educativo. Uma das ferramentas com que trabalham é a sua rádio escolar, onde os alunos geram os seus próprios conteúdos como “produto” final dos seus processos de aprendizagem.
Outra experiência diferente é a dos norte-americanos de Brains On!, uma interessante iniciativa que aposta na criação de podcasts de ciência para os mais jovens. Faz-se a divulgação de temas complexos numa linguagem acessível e adequada aos objetivos escolares de cada idade.
O podcast educativo, uma oportunidade
Tendo em conta o panorama que se apresenta, são poucas as reflexões que não levem a entender que há oportunidades importantes na área do podcast e do audiolivro. Oportunidades importantes se tivermos em conta que estes formatos não devem ser tratados como meras transcrições dos conteúdos que se geram para ser consumidos de outras formas; é necessário respeitar os códigos, as estruturas, os relatos e os meios de distribuição próprios, assim como ter noção de quais serão os momentos e os espaços em que os alunos trabalharão com eles.
“Atualmente, são muito numerosas as editoras que estão a analisar o fenómeno dos podcasts para tentar monetizar este formate que se encontra em voga em todo o mundo, sendo o grande desafio elevar a qualidade do catálogo”, afirma a Dosdoce no seu relatório Evolución del Libro Electrónico en América Latina y España.
No departamento de Inovação da Santillana, andamos há dois anos a investigar através do SantillanaLAB para perceber como devem evoluir os formatos dos conteúdos educativos. Obviamente, um desses formatos é o áudio digital.
Apesar de o nosso trabalho continuar durante este ano, em que teremos os protótipos do que entendemos que deve ser a evolução do conteúdo educativo em vídeo e em áudio, podemos já adiantar algumas das diretrizes sobre as quais se deve construir:
- Abrir os olhos para o que acontece noutras indústrias. Em particular, nos meios de comunicação social. É importante inspirarmo-nos em movimentos e estratégias como as do New York Times – incluindo a sua iniciativa para desenvolver analíticas sobre o podcast - ou da Prisa Rádio em relação ao podcast como produto de comunicação.
- Entender que o podcast é um elemento entre vários dentro um ecossistema de materiais, conteúdos e experiências de aprendizagem.
- Este formato deve estar ao serviço de um objetivo pedagógico e de aprendizagem.
- Pensar no conceito de autoria do conteúdo com base numa abordagem da criação entre vários e por parte dos próprios alunos.
- Conceber o relato em áudio com base num conceito transmedia.

Principais conclusões do SantillanaLAB sobre a evolução do conteúdo educativo.
Não esqueçamos que, nos Estados Unidos, o audiolivro representa já 3% do total de vendas da indústria editorial…
Continuamos a ouvir!
Fernando Herranz Mayoral
Jefe de Producto Global. Santillana Innovación
@kenancio
- The Value of Using Podcasts in Class.
- Why Listening to Podcasts Helps Kids Improve Reading Skills.
- Where Are All the Kidcasts?
- Podcasting: Fact Sheet.
- Inside the Podcast Brain: Why Do Audio Stories Captivate?
- Analítica y monitorización de datos para podcasts.
- Informe sobre la evolución del libro electrónico en América Latina y España.
- A new audio startup focuses on tailoring a playlist of short form stories that fit into a listener’s day.
- Stimulating the Imagination in a Radio Story.
- How Audiobooks Can Help Kids Who Struggle with Reading.
- What Types of Sound Experiences Enable Children to Learn Best?
- The New York Times gets serious about podcasting.